O dia em que Moro foi nocauteado

Foto: Lula Marques 
O dia em que Moro foi nocauteado com perguntas sobre abuso de autoridade

Cíntia Alves
"Ninguém tem cometido, neste país, mais abuso de autoridade do que você", disse um deputado do PT ao juiz da Lava Jato
Jornal GGN - A passagem de Sergio Moro pela Câmara dos Deputados, na quinta-feira (30), para discutir abuso de autoridade e Código de Processo Penal, foi marcada por uma enxurrada de perguntas que nenhum jornalista teve coragem ou oportunidade de fazer ao juiz símbolo da Lava Jato. A maioria, sobre o caráter político-partidário e os expedientes adotados ao longo da operação, como o uso desenfreado de conduções coercitivas e os vazamentos que antecederam o impeachment de Dilma Rousseff.

Parlamentares que faziam parte da base do governo Dilma não pouparam Moro de ouvir frases como "Ninguém tem cometido, neste país, mais abuso de autoridade do que você", disparada, no caso, por Zé Geraldo (PT). O petista ainda disse que se existisse uma lei contra abuso de autoridade, "Moro nem juiz seria mais".

O parlamentar tentou abordar o grampo telefônico que envolveu Dilma e Lula e o vazamento, por Moro, à imprensa, mas o presidente da sessão, deputado Danilo Forte (PSB), impediu. "Não vamos personalizar. Não estamos aqui para julgar o juiz Sergio Moro", disse.

O deputado Paulo Teixeira (PT) disse que a Câmara tem tanto compromisso com o combate à corrupção quanto a Lava Jato. Porém, com o cuidado de fazer esse combate "de maneira republicada, respeitando a Constituição".

"Não queremos prender os juízes. Queremos evitar que os juízes façam política partidária. O juiz pode ser político, se se afastar da Justiça e se candidatar. Flávio Dino [governador do Maranhão] é um caso", comentou, ao abordar o abuso de autoridade, projeto de lei que está no Senado e não agrada Moro.

"O abuso de autoridade é para inibir a atuação político-partidária. Por exemplo, vossa excelência quebrou o sigilo da presidente Dilma. O ministro Teori entendeu como ilegal essa atitude. Eu pergunto a vossa excelência se, no contexto do golpe parlamentar, o senhor queria contribuir para derrubar a presidente Dilma?", indagou Teixeira.

O deputado ainda disse que o Brasil carece da figura de um "juiz de garantia", que "garanta a imparcialidade do julgamento". Na sequência, questionou se Moro acha que é imparcial em relação a Lula depois de ter decretado a condução coercitiva ilegal do ex-presidente, em março de 2016. "Vossa excelência não acha que perdeu a imparcialidade nesse caso, principalmente depois daquela foto do Aécio Neves?"

Teixeira também abordou o impacto da Lava Jato na economia, citando estudo que indica que a operação custou até 3% do PIB brasileiro, após acabar com milhões de empregos. Perguntou a Moro se não é possível fazer um combate à corrupção sem destruir as empresas investigadas.

Outro abuso de autoridade mencionado pelo petista foi a condução coercitiva e quebra de sigilos do blogueiro Eduardo Guimarães, uma afronta à liberdade de imprensa.

Acompanhe a partir dos 37 minutos:


O deputado Wadih Damous (PT) disse que por conta do "Direito em vigor construído pela República de Curitiba", as garantias do cidadão, hoje, estão sendo "pulverizadas" em nome de um chamado "bem maior", termo muito utilizado "nas câmaras de tortura do DOI-CODI", por um "laboratório punitivista", a exemplo da Lava Jato.

Ele reiterou as perguntas de Teixeira sobre parcialidade e autoritarismo, e afirmou que, no Paraná, ainda há o abuso de o juiz participar ativamente do processo, determinando produção de provas contra os investigados.

Damous também perguntou se Moro, por acaso, participou de encontro com atores do filme sobre a Lava Jato. Nesta semana, a Polícia Federal - que colabora com a produção do filme fazendo até tour pela carceragem, exibindo presos como Marcelo Odebrecht e Eduardo Cunha - admitiu que fez imagens da condução coercitiva de Lula. Cópia das imagens teria sido entregue à imprensa.

Moro reagiu: "Não cabe a mim responder sobre casos concretos e pendentes. Não vim aqui para isso. Minhas decisões também estão sujeitas a diversos controles jurisdicionais. Os tribunais têm mantido minhas decisões, majoritariamente. Não me cabe aqui ficar me explicando a parlamentares que fizeram perguntas agressivas. Peço excusas, mas não vou respondê-las."

De maneira genérica, ele disse que, "no caso da Lava Jato, minha posição como juiz é totalmente passiva. Eu aprecio pedido das partes. Mas muitas vezes o cumprimento imparcial da lei é compreendido como ativismo.”

Teixeira negou ter ofendido Moro. “Uma coisa é fazer perguntas que incomodam. Outra coisa são ofensas”, disse.

Sobre o novo CPP em discussão, Moro questionou as "construções doutrinárias questionáveis" que apontam que, no Brasil, deveria existir uma separação entre o juiz que instrui o processo e o juiz que vai julgar a causa.

Segundo Moro, isso é desnecessário porque o "juiz brasileiro que participa da instrução não é como no modelo francês". Ele é "passivo", apenas aprecia os pedidos do Ministério Público e da autoridade policial, "não pede instrução probatória". Só na fase de julgamento, disse Moro.

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