Sobre a proposta de Reforma da Previdência, tenho visto muita gente externando a dúvida de "como EU vou poder aposentar". Ao colocar ao mesmo tempo idade e tempo de contribuições elevados, a medida impossibilita tanto os pobres, que entram muito mais cedo no mercado de trabalho, ainda crianças, como as pessoas que têm o privilégio do acesso à educação formal para exercer profissões de alta qualificação. Os Programas de Doutorado estão cheios de pessoas com mais de 30 anos e sem nenhuma assinatura na Carteira de Trabalho.
Em outras palavras, não se trata de uma "reforma" da Previdência, mas da sua completa extinção enquanto possibilidade concreta. Exceto, claro, para os estamentos parasitários do Estado - para os quais, os trabalhadores contribuirão quase que exclusivamente.
Previdência não é privilégio, a pesada "contribuição" é tomada à força todo santo mês do trabalhador, durante toda a sua vida no mercado de trabalho. Não existe a possibilidade de recusar participar do sistema como trabalhador formal. Para entender o problema, imagine que, contra a sua vontade, você é colocado em um consórcio para um carro. Mesmo que você não queira, todo mês são debitadas as parcelas. Depois de anos, você é informado que o consórcio não é sustentável, e vão ver o que podem fazer para te conceder o "benefício" de um carro.
Na prática, significa que o
trabalhador é utilizado como fonte de arrecadação para o Estado, constituindo uma catastrófica arquitetura tributária regressiva, e que, no capitalismo sem o Estado de Bem-Estar Social garantido pela Constituição de 1988, você só serve enquanto for produtivo, depois disso, você é um peso morto para a sociedade. Ou seja, é institucionalização do geronticídio.
Porém, é evidente que é fundamental uma discussão séria sobre a Previdência. Considerando a flexibilização do trabalho como um processo irreversível, qual a sustentabilidade de um sistema de longo prazo baseado em empregos formais no século XXI, com consenso das projeções demográficas sobre o aumento da expectativa de vida e a redução da natalidade?
Discutir a Previdência é discutir seriamente o nosso futuro enquanto sociedade. Não há solução simples, e um vasto oceano de hipóteses. O que é inadmissível é fazer esta discussão desta forma, e neste momento. Hoje não há preocupação em garantir o futuro do país, e sim a rentabilidade do capital especulativo - o que faz com que, mesmo uma reforma que daria resultados práticos nas próximas décadas seja colocada como medida urgente para salvar uma economia em crise, ao lado de uma Pec do Teto, que basicamente coloca o capital financeiro como o portador prioritário de Direitos na Constituição. Não se trata somente de colocar os trabalhadores para pagar a conta, e sim de redesenhar o sistema político, a arquitetura do Estado, instituindo um retrocesso que extermina as garantias básicas da Constituição. Para o século XXI, teremos um retorno ao capitalismo do século XIX.
A pergunta que fica é: como o sistema que mais produziu riquezas durante toda a existência do Homo sapiens sapiens chega a um ponto em que assume que é simplesmente incapaz de garantir a sobrevivência daqueles que trabalharam a vida toda? A resposta a essa pergunta é o que responderá a todo o resto.