Proposta Bresser-Pereira: Anistia condicionada a reformas


Luiz Carlos Bresser-Pereira

Anistia condicionada a reformas

Nestes últimos anos as elites brasileiras parecem determinadas a desconstruir o Brasil. Desde 1990 o Brasil substituiu o regime econômico desenvolvimentista pelo liberal, deixou de administrar a taxa de câmbio, a moeda nacional tornou-se apreciada no longo prazo, desencadeou-se grave desindustrialização, e a economia está desde então quase-estagnada. Neste mês o Congresso deverá aprovar a emenda do teto fiscal, e terá início o desmantelamento do Estado Social e da prioridade à educação que estão instituídos na Constituição de 1988. E também neste ano, baseada em delações premiadas, a operação Lava Jato e o moralismo da classe média tradicional estão destruindo a elite política brasileira ao confundir propina com “caixa 2”.

O moralista poderá reagir gritando: “mas é isto o queremos; eliminar da vida pública todos esses políticos corruptos”. Mas dessa forma estamos eliminando todos os políticos, porque as doações de campanha em caixa 2 faziam parte dos usos e costumes brasileiros. Como fazem parte deles também a sonegação de impostos por toda a elite econômica. Vamos, então, arranjar delatores premiados também para desmoralizar e por na cadeia os empresários, os profissionais liberais, os altos administradores?

O mundo não se fez em um dia. Aqueles que quiseram instalar a justiça social em um dia ou a religião “verdadeira” em um dia, como aconteceu com Stálin e Calvino, instauraram terríveis ditaduras. Agora setores do Judiciário querem instaurar a moralidade pública em um dia, e, para isto estão cometendo violências contra os direitos das pessoas, ao mesmo tempo em que se destrói a elite política brasileira sem que se tenha quem a substitua.

Muitos dos políticos que estão hoje sendo vilipendiados são políticos que já prestaram grandes serviços ao país – políticos conservadores, ou progressistas, dependentes ou nacionais – mas são políticos competentes, que são capazes de muitas vezes dar prioridade ao interesse em relação ao seu interesse privado. É claro que existe uma visão alternativa, que afirma que os políticos apenas fazem trade-offs (compensações) entre sua reeleição e a vontade de enriquecer na política, mas esse tipo de pessimismo político inviabiliza a vida social nas sociedades modernas.

A desmoralização dos políticos vistos dessa maneira é uma estratégia clássica daqueles que querem conservar seus privilégios e temem que um Estado governado por partidos progressistas estabeleça limites a esses privilégios. É um tipo de ação profundamente antidemocrático, que defende os direitos civis, mas teme os direitos políticos e sociais – defende o liberalismo, mas teme a democracia. E é uma prática profundamente custosa para o país, porque não se constrói uma elite política de um dia para outro.

Temos que encontrar uma solução para este problema. A contribuição positiva que a operação Lava Jato fez já foi feita: descobriu, acusou, e condenou empresários, políticos e lobistas que receberam ou pagaram propinas em troca de obras e outras vantagens. Na fase atual essa operação está causando muito mais prejuízo do que benefício.

Há alguns dias houve a tentativa de se garantir a anistia aos casos de caixa 2. Defendo que seja retomado, mas de forma clara, ao mesmo tempo em que os políticos hoje ameaçados se comprometam, ao mesmo tempo, a (1) tornar claro o caráter criminoso de qualquer contribuição de empresas a políticos; (2) instaurar o sistema eleitoral distrital, para reduzir o custo das campanhas e permitir que o partido majoritário tenha um número de deputados eleitos elevado, diminuindo a necessidade de o presidente “comprar” o apoio dos políticos; (3) estabelecer cláusula de barreira para eliminar os pequenos partidos; e (4) estabelecer o financiamento público de campanhas.

Sim, é preciso diminuir a corrupção, mas não constituem corrupção as ações que são ilegais, mas não envolvem propinas, e estão de acordo com os usos e costumes. Estes precisam mudar, e estão mudando, mas, repito, o mundo não foi criado em um dia. A anistia condicionada à aprovação das quatro reformas propostas é um passo para se proteger as elites políticas brasileiras de um processo de desmoralização injusto e contrário aos interesses nacionais, é um passo para se moralizar a vida pública daqui para frente, e para se defender a democracia.

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