Vambora, vambora, tá na hora vambora, vambora



Maristela Alves
UM CONTO DE TERROR

"Vambora, vambora, tá na hora vambora, vambora"

O rádio está no volume máximo, sintonizado no noticiário da tradicional rádio paulistana.

Ele saliva incontrolavelmente dentro de sua SUV importada comprada em 72 prestações em um feirão. Chega até a Marginal Pinheiros e finalmente ele vê a placa que tanto sonhou reencontrar:

Com um sorriso meio maníaco, ele nem ouve Marco Antonio Villa na rádio, em júbilo elogiando a agenda do prefeito eleito, João Dória, o visionário, o homem de bem que alforriou seu direito de andar a toda velocidade na Marginal.

Ele tem pressa. Ele precisa compensar todos os longos meses de sofrimento que o otário do prefeito anterior o submeteu. O filho da puta que infernizou sua vida ao puni-lo por acelerar sua potente SUV. A indústria da multa que era o horror de sua vida, a frustração de sua existência, a opressora de seu direito de ir e vir.

Ele apenas quer acelerar, acelerar, acelerar...

Enquanto ele acelera, sua mente mistura imagens desconexas de Danilo Gentili, Pondé, Reinaldo Azevedo, Rachel Sheherazade e Lobão. Num estranho jogral, eles diziam:

ACELERA. ACELERA.. A-CE-LE-RA.

Em um crescendo orgásmico, ele pisa o pé direito ainda mais fundo no acelerador. As marchas do câmbio automático são precisas, fornecendo o torque que a SUV precisa para acelerar, acelerar.

À beira de um êxtase quase sexual, de repente ele vê uma outra SUV igual a sua à sua frente, e com as figuras de Geraldo Alckmin, Alexandre de Moraes e João Dória, sorridentes, de mãos dadas, olhando para ele do vidro traseiro. Eles dizem

ACELERA. ACELERA. A-CE-LE-RA. ACELERA, SÃO PAULO!

Ele olha para o painel eletrônico da SUV: 150 km/h. Ele transgride e se sente imensamente feliz. Ele se dá conta de que a bordo de sua SUV ele alcança a plenitude, descobre o sentido da vida, comprova a sua masculinidade movida aos 150 cavalos de seu motor.

A roda de caminhão que tinha se soltado de uma cegonheira detém inesperadamente o nirvana motorizado. A SUV se desgoverna, dá um, dois, três giros em plena Marginal Pinheiros altura da Ponte Estaiada e neste movimento louco abalroa uma outra SUV em alta velocidade, provocando uma capotagem violenta a ponto do airbag não conseguir deter o caminho indelével da cabeça dele contra o guard-rail da pista expressa.

No átimo de segundo antes de sua cabeça ser separada do resto do corpo pela ponta afiada do guardrail que desgraçadamente estava no lugar errado na hora errada, ele solta um sorriso de esgar ao ouvir a sua derradeira melodia:

"Vambora, vambora, tá na hora vambora, vambora"

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