Luis Felipe Miguel
Um dos problemas centrais para sustentar práticas transformadoras dentro das instituições políticas vigentes é a existência de inúmeros mecanismos poderosos que incentivam a acomodação.
Uma das poucas boas notícias do domingo foi a eleição, para a Câmara de Vereadores de uma capital, com excelente votação, de uma mulher jovem, negra, ligada a movimentos sociais. Pois a eleita declarou, logo após o resultado, que sua primeira ação será propor a redução do salário dos vereadores.
É o tipo de medida demagógica, que poderia vir de qualquer moralista conservador. Reforça a ideia de que o problema está nos gastos do Estado. Promove também a crença de que o que caracteriza um bom representante é sua abnegação e disposição para sacrifício pessoal, não os interesses que defende. No limite, projeta o serviço "voluntário", que é o caminho certo para tornar a representação política um
monopólio de herdeiros.
Ela poderia ter falado em IPTU progressivo, em transporte coletivo, em combate à homofobia nas escolas, em creche, em restaurante comunitário, em cultura nas periferias. Mas escolheu o corte de salário dos vereadores.
Escrevo isso não como acusação a ela, mas como ilustração de como os espaços da política institucional moldam comportamentos.
Não conheço a vereadora eleita, mas parece ser uma pessoa esclarecida, combativa e preparada. O que a levou a anunciar esta prioridade, logo depois de sua vitória? Entram aí os incentivos à adaptação ao jogo político conservador. É uma proposta que não incomoda aos grupos dominantes, que não promove conflito, que agrada aos despolitizados, que atrai (como atraiu) o aplauso da mídia.
Mas é possível pensar num mandato popular sem conflito com os interesses dominantes e com a aprovação da imprensa? Certamente a vereadora eleita sabe a resposta. Ainda assim, deixou-se levar, nesse primeiro momento, para o caminho para aonde apontam todos os constrangimentos poderosos em ação no campo político, que é o caminho da desradicalização e da acomodação.