Ouro Preto (MG) – MP instaura inquérito para avaliar a deterioração da Matriz de Santo Antônio

Por Defender



Templo corre risco de ruir. Na pressa para salvar a igreja, moradores se adiantam e escoram entrada principal.


Moradores trabalham no interior do templo, de onde as imagens foram retiradas por segurança. (Foto: Leandro Couri/EM/DA Press)

Com os olhos preocupados, embora iluminados pela esperança, a dona de casa Maria Helena Côrtes vê a longa trinca na fachada da Matriz de Santo Antônio e exclama: “Tomara! Jesus, misericórdia!” Moradora há 42 anos do distrito colonial de Glaura, ela teme, a exemplo dos demais habitantes, que o templo barroco datado de 1764 e tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) não suporte a próxima temporada de chuvas e acabe ruindo. “Tomara que as autoridades tomem providências e que Jesus interceda por nós. Não podemos perder esta relíquia”, afirma Maria Helena, com forte emoção na voz.

A fenda na portada em pedra, trabalhada em cantaria, apavora tanto os moradores de Glaura como quem visita o distrito localizado a 28 quilômetros do Centro Histórico de Ouro Preto e a seis de Cachoeira do Campo, na Região Central. Com medo do pior, já que a fissura se alastra e se aprofunda na parede, integrantes do conselho paroquial e outros moradores, “com autorização do Iphan”, segundo eles, puseram escoras, de quatro metros e meio de altura cada uma nos dois lados da entrada principal. Com obra prometida pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas, a igreja aguarda projeto e recursos, embora nada tenha saído do papel.

“A situação está muito séria. Além de colocar as vigas, estamos fazendo consertos no telhado, também com autorização do Iphan. Não é obra grande, apenas medidas paliativas, recolocando telhas e retirando madeiras podres. O dinheiro é da comunidade, estamos pagando dois trabalhadores para fazer o serviço”, informa o integrante do conselho paroquial, Gléber Domingos dos Santos. Ele conta que a igreja foi interditada há três meses pela Defesa Civil Municipal, e, desde então, a população católica de Glaura (1,8 mil habitantes) está impossibilitada de frequentar o seu bem cultural e espiritual maior.

A pedido dos moradores, que fizeram um abaixo-assinado com 525 nomes, conforme diz o comerciante Domingos Sávio Silva, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) instaurou inquérito civil para avaliar a deterioração da igreja – sob tombamento do Iphan desde 1962 e inventariada pelo município – e propor as medidas de recuperação. O promotor de Justiça da comarca de Ouro Preto, Domingos Ventura de Miranda Júnior, explica que serão ouvidos representantes do órgão federal do patrimônio e da Arquidiocese de Mariana, à qual a paróquia está ligada, para verificar com clareza as causas da degradação. “Precisamos saber se foi abandono, se não foram adotadas as medidas corretas de conservação e, dependendo do que for apurado, pediremos medidas judiciais para preservação”, afirmou Domingos.

Convivência. Na falta do espaço sagrado vinculado à Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré, em Cachoeira do Campo, os devotos assistem às missas e participam de outros ritos na capela da Sociedade São Vicente de Paulo, também na Praça da Matriz. “Mas lá é pequeno, infelizmente não cabe todo mundo. A matriz é onde todos se reúnem, é nosso lugar de orações e convívio”, acrescenta Gléber, cuja vida está totalmente entrelaçada ao templo de Santo Antônio. “Aqui fui batizado, me casei e batizei meus filhos”, revela Gléber, ao lado de Maria Helena e outros defensores do patrimônio de Glaura: Beto Liberato, morador há 12 anos, e o designer gráfico e dono de restaurante Alexandre Andrade.


Beto, Helena, Alexandre e Gléber em busca de apoio. (Foto: Leandro Couri/EM/DA Press)

Na manhã de ontem, um grupo dos defensores se encontrou com o pároco Luiz Roberto de Souza e falou novamente dos seus temores. “A questão é arquitetônica e estrutural. Já tivemos a visita de técnicos do Iphan e a Defesa Civil veio atendendo nosso chamado. Esperamos as providências urgentes. Esta igreja é muito importante para a comunidade daqui”, afirmou o padre Luiz Roberto. “A situação é muito triste”, resume.

Liberato conta que um especialista esteve em Glaura e atestou que as trincas são resultado de um “colapso” na lateral direita (para quem está de frente para a igreja). “Houve um abalo, um recalque deste lado, o que está provocado esse problema”. Ele explica que a situação foi avaliada em 2005 pelo Iphan, feito um termo de referência, sem resultado prático. Numa placa de bronze afixada na fachada, há o registro de que, em 1975, foi feita uma intervenção, mas o grupo de defensores se apressa a dizer que foi apenas pintura. Na verdade, a última restauração de relevância ocorreu em 1957, portanto há quase 60 anos.

Quadro é desolador no interior da igreja

Por medida de segurança, todas as imagens, especialmente a do padroeiro Santo Antônio, foram retiradas dos altares. No interior, os trabalhadores Renildo Crênio da Silva e Vitor Fernandes de Souza sobem nos telhados, retiram madeiras podres e fazem outras tarefas. Com a degradação, o templo vem sendo alvo das abelhas, tanto que, nos últimos dias, foram localizadas duas colmeias e retirados 20 quilos de favos de mel: “Esperamos que tudo seja resolvido”, diz Renildo, que se declara carpinteiro, marceneiro, pedreiro e armador. “Só não mexo com parte elétrica.”

Percorrendo o interior da igreja, dá para ver os mínimos detalhes de um quadro desolador. No coro, as fissuras levantam o reboco e, para mostrar a profundidade, Gléber enfia a caneta esferográfica que some na parede. Também atento à situação, Alexandre Andrade destaca os dois lados dessa história. “Temos a urgência de resolver as partes estruturais e arquitetônica e também de preservar o patrimônio imaterial. Glaura, que se chamava Freguesia de Santo Antônio da Casa Branca, tem nesta igreja o seu bem principal. Tudo aqui gira em torno da matriz. Quando chove, fica tudo alagado aqui dentro, uma tristeza”, afirma. Na porta principal, chamam a atenção, em alto-relevo, em madeira, as imagens de Santo Antônio e Maria Concebida. “São os nossos padroeiros”, informa Gléber com orgulho.

Segundo o Iphan, as obras na igreja serão custeadas com recursos do PAC Cidades Históricas, sendo uma das prioridades da autarquia federal. Em nota, os técnicos informam que a Prefeitura de Ouro Preto contratou o projeto estrutural que faltava para deslanchar os serviços. No entanto, o cronograma das obras e o custo não foram divulgados.

História. De acordo o Iphan, a Matriz de Santo Antônio é uma construção em pedra, com duas torres quadrangulares (na esquerda, está o sino, na direita, o relógio) e janelas sineiras. Acima da porta principal, há uma imagem de Santo Antônio protegida por nicho fechado com vidro. Os estudos mostram que os altares laterais são em talha barroca. Casamentos, batizados e missas eram celebrados no templo que, em 2003, conforme laudo do Iphan, necessitava “de pintura nas fachadas e de restauração dos elementos artísticos”.


Inaugurada em 1764, a matriz é tombada. (Foto: Leandro Couri/EM/DA Press)

Por Gustavo Werneck

Fonte original da notícia: em.com.br

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